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REPORTAGEM REVISTA VERDE-OLIVA

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REPORTAGEM ESPECIAL DA REVISTA VERDE-OLIVA 

 – Ano XLII • Nº 228 • JULHO 2015

 

 

 

 

 

 

INDÍGENAS DA ETNIA TERENA E

SUA PARTICIPAÇÃO NA 2ª GUERRA MUNDIAL

 

 

   A fonte mais importante para se conhecer a história do povo indígena Terena é a oral, por meio de sua língua, pela qual os momentos mais significativos de suas tradições históricas são passadas de pai para filho, boca a boca, ao longo dos tempos. Podemos constatar, também, sua memória e sua existência em produtos da cultura material, tais como objetos de cerâmica, pintura, desenhos, tecelagem, instrumentos musicais,

que revelam seus hábitos, costumes e tradições.

 

 Com o intuito de levantar informações e, por conseguinte, reconhecer heróis da Segunda Guerra Mundial, entrevistas foram realizadas com febianos Terenas do 9º Batalhão de Engenharia de Combate (9ª B E Cmb) e seus descendentes, com o apoio de historiadores e professores, e com as participações do Cacique Terena Izaltino Demencio, da Aldeia Bananal, e seus conselheiros.

 

  Também foi possível ter acesso às moradias dos Terenas ex-combatentes da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e aos túmulos de Leão Vicente (Aldeia Bananal) e de Irineu Mamede (Aldeia Água Branca). 

 

 

 

 

 

 

ANTECEDENTES

 

 

         A história do povo Terena vem mesmo antes do descobrimento do nosso território, desde a saída do Êxiwa – região compreendida entre a margem do Rio Paraguai e a chamada “morraria” de Albuquerque, hoje Corumbá, na margem esquerda do mesmo rio –, transpondo o Rio Paraguai, até a ocupação da região do atual Estado do Mato Grosso do Sul.Foi um período longo que se caracterizou pelas migrações que ocorreram durante o Século XVIII, no qual os Terenas ocuparam um vasto território, dedicando-se à agricultura, e estabeleceram alianças com os Guaicurus e com os portugueses.

         Na Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870), os índios Terenas desempenharam importante papel na defesa do 

nosso território. Com a invasão paraguaia ao Mato Grosso, uma coluna em direção a Corumbá e outra para Dourados, 

Miranda, Nioaque e Coxim, os índios Terenas combateram os invasores e refugiaram-se nas Serras de Maracaju e 

Bodoquena. Porém, foi no episódio épico da Retirada da Laguna que mais ajudaram os Voluntários da Pátria no 

retraimento sobre pressão até Porto Canuto.

         Quando a Guerra da Tríplice Aliança chegou ao fim, em 1870, os Terenas voltaram para suas antigas aldeias, na região dos rios Miranda e Aquidauana, destruídas durante os combates com os paraguaios. A vida naquelas localidades ficou impraticável e boa parte dos Terenas foi obrigada a se empregar como peão ou capataz nas fazendas, após a ocupação de suas terras primitivas; a organização das áreas destinadas à formação das aldeias indígenas que hoje conhecemos; e o surgimento de inúmeras fazendas para plantar, extrair erva-mate e criar gado.

         Após a Proclamação da República (1889), enquanto o povo Terena ainda vivia no tempo da servidão, foram 

implementadas políticas de construção de estradas de ferro e de linhas telegráficas, a fim de melhorar a comunicação e o transporte entre o litoral e o interior do País, fortalecendo o controle sobre todo o território brasileiro. Foi criada a Comissão Construtora de Linhas Telegráficas, liderada por cândido Mariano da silva Rondon, que utilizou o “braço forte” Terena para ajudar nos trabalhos de instalação das linhas telegráficas da cidade paulista de Franca até a cidade de Cuiabá, no Mato Grosso, e desta até a Região Norte. 

 

 

 

A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL 

 

 

     Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, em 1943, vários índios Terenas foram convocados para incorporar no 9º B E Cmb, Unidade em que alguns já haviam prestado o serviço militar inicial. Após exames médicos, foram convocados:  Aurélio Jorge, Dionísio Lulu, Leão Vicente, Antônio Avelino da Silva, Pedro Belizário Pereira, Natalino Cardoso e IrineuMamede, todos da Aldeia Bananal; Venceslau Ribeiro, de Nioaque; Olímpio de Miranda; Rafael Dias, da Aldeia LimãoVerde; Otávio, índio Kadiwéu; e Antônio da Silva e Dionísio Dulce, da Aldeia Água Branca. Outros doisíndios Kinikinao, da Aldeia de Lalima, foram mortos e não estão identificados até então.

     Algumas dessas informações sobre etnias ainda estão em checagem no Arquivo Histórico do Exército. Os índios convocados passaram um ano em intenso treinamento em Aquidauana e depois foram transferidos para a cidade de Entre-Rios (MG), onde ficaram quatro meses acantonados, realizando treinamentos de marchas, tiro, travessia de curso d’água, desmontagem e montagem de armas, construção de pontes e desativação de minas. Tiveram de se adaptar como soldados e índios às intempéries do tempo (neve) e às novas condições de luta em território europeu. Eram sagazes e bastante eficientes, montavam seu acampamento em fração de segundos e sabiam preparar o fogo e a própria comida.

    Antes de partirem para a guerra, os Terenas fizeram o ritual da “pajelança”, ou seja, invocaram “o xamã”, o protetor, o guia que faz previsão sobre onde está o inimigo e protege seus invocadores. Todos os Terenas que foram para a Itália voltaram com sequelas, mas vivos e com testemunho do que viram e viveram.

    Os comandantes do 9º B E Cmb sempre apoiaram os seus ex-combatentes e, no óbito de um desses guerreiros, 

realizaram honras fúnebres. 

 

 

 

 

V u c Á P a n a V o ! adiante, avante ou para frente”! 

 Esse era o brado dos combatentes quando acuados em uma batalha e

em busca de forças para continuar lutando.

É um grito de guerra, uma senha usada para elevar o moral.

Muitos dos soldados Terenas que lutaram na Itália utilizaram esse chavão

para superar as intempéries da guerra. 

 

 

 

 

ENTREVISTAS

 

 

Paulo Baltazar (professor antropólogo Terena): Estou muito feliz por estar aqui no 9º B E Cmb, Unidade em que servi e ajudei a montar o seu museu, e por poder falar sobre o meu povo e sua participação na história militar do Brasil. Sou professor antropólogo do povo Terena na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e fui diretor e professor em inúmeras escolas nas aldeias dos Terenas. Fui Chefe de Gabinete da Secretaria de Educação e fui bolsista da Fundação Internacional Henry Ford, instituição que financiou o meu mestrado na PUC/SP.”      “Só me resta agradecer ao Exército Brasileiro (EB) por ter dado as bases da minha formação como cidadão, ser organizado, leal e responsável. Todas as vezes que o Brasil precisar dos Terenas, assim como nossos ancestrais, não nos furtaremos de lutar pelos mesmos ideais de liberdade e democracia. VUCÁPANAVO!”

  

 

Gedeão Jorge  –  filho do febiano Aurélio Jorge  (Terena da aldeia Buriti). Segundo seu filho, Aurélio Jorge nasceu em Aquidauana (MS). Morou e trabalhou em muitas fazendas, inicialmente acompanhando seu pai e, posteriormente, trabalhando sozinho como peão e capataz. Quando morou com sua família na aldeia indígena Buriti, plantava e criava gado, trocando alimentos com os fazendeiros locais. Não havia cercas naquelas terras, assim, seu pai e tios puderam caçar e criar gado livremente.

    Afirmou que seu pai ficou órfão de mãe aos 12 anos e de pai aos 15 anos. Foi criado pelos avós por parte de mãe e, aos 17 anos, tornou-se evangélico e mudou-se com seu avô da aldeia Buriti para Cachoerinha (Miranda). Com 18 anos, alistou-se no 9º B E Cmb e prestou o serviço militar nas cidades de Aquidauana, Barra do Garças e Cuiabá, trabalhando na construção e na reparação de estradas e pontes. Após dar baixa do Exército, casou-se e continuou morando em Anastácio, dedicando-se ao que mais gostava e ao que sabia fazer: trabalhar em fazendas e cuidar do gado.

    Ficou nessa labuta até 1943, quando, como reservista, foi convocado pelo Exército. Aurélio Jorge falava algumas palavras em italiano e comentava que o relacionamento com a população local da Itália era muito bom. Ele contava suas histórias com muito realismo; a esposa e todos os filhos sentavam-se, fazendo um semicírculo, para ouvir os seus comentários. Seus filhos orgulham-se de ter um pai que foi à Itália e participou da Segunda Guerra Mundial.

                                            Orgulham-se de ter o sangue de um herói.    “O lema que meu pai sempre nos ensinou foi de  ir para frente, nunca retroceder”. No idioma Terena era: VUCÁPANAVO”!  “Estou muito honrado de representar o meu pai e de poder falar da participação dos índios Terenas na Segunda Guerra Mundial;

o que poucos conhecem.” 

 

Wagner Lulu –  neto do febiano Dionísio Lulu (Terene da Aldeia Ipegue)

      Aos 16 anos de idade, D (MS) para servir ao Exército. Apresentou-se no 9º B E Cmb, onde vivia como “laranjeira” – nome dado ao militar que mora no quartel e vai para casa pouca vezes por ano. Seguiu para a guerra junto com seus companheiros de farda como sapador mineiro.

     Segundo Wagner Lulu, que serviu na mesma Unidade e também ajudou a construir o museu do Batalhão, seu avô pouco falava sobre a guerra e era comum ser visto, na sombra das árvores, chorando, relembrando a guerra e os amigos que perdera.

Ele mantinha guardada a sua marmita riscada com a ponta da baioneta e dizia que o importante na guerra era não “dar sopa”,

pois havia visto muitos amigos morrerem ao seu lado e só lhe restava rezar por eles.

     Gostava de cantar músicas  militares todas as tardes, quando estava de bom humor.

     O neto do febiano também lembrou de um fato que demonstra o espírito de corpo daqueles homens:o que eles mais sentiam na Itália era frio e, para dormirem, ficavam abraçados de joelho, em forma de roda, para um aquecer o outro.

     Wagner Lulu declarou que serviu ao Exército ostentando o mesmo nome do seu avô. Espelhou-se nele, honrou o seu nome e, hoje, sente um grande orgulho de ter, como avô, um Terena, um guerreiro lutara pela democracia 

 

 

     À sombra de várias árvores frutíferas, ambiente típico de sua cultura, o Cacique Izaltino Demencio apresentou seus conselheiros e afirmou estar honrado em receber visita de uma comitiva de militares na Aldeia Bananal, no Distrito Indígena da Taunay.

    Ao saber que o motivo da visita era reunir informações sobre os índios Terenas participantes da Segunda Guerra Mundial, informou que os febianos Terenas Leão Vicente, da Aldeia Bananal, e Irineu Mamede, da Aldeia Água Branca, voltaram para suas aldeias após a guerra, moraram e viveram juntos de seus irmãos e amigos indígenas.

    Em seguida, foi apresentada a casa onde morou o ex-combatente Leão Vicente e que, atualmente, é a residência de sua irmã. No cemitério da Aldeia Bananal, no interior do jazigo de Leão Vicente, foi encontrada uma foto com as suas datas de nascimento e de falecimento (14 de março de 1922 e 29 de janeiro de 1995).


 

Resgate Histórico

 

    No cemitério indígena da Aldeia Água Branca, por ocasião das comemorações dos 60 anos da participação da FEB na Campanha da Itália, o Procurador do Ministério Público e Presidente da Fundação Eduardo ContarCarlos Eduardo Contar, ao tomar conhecimento de que o 9º B E Cmb não dispunha dos nomes dos seus Pracinhas, por iniciativa própria, viajou até a cidade do Rio de Janeiro e realizou pesquisa nos arquivos do Exército.

    O esforço foi recompensado ao recuperar quase a totalidade dos nomes, que foram gravados em uma placa no Monumento à Vitória, no interior do 9º B E Cmb, idealizado pela Fundação Contar, pelo próprio Batalhão e pela Associação Nacional dos Veteranos da FEB/Seção Campo Grande (MS), sob a direção de um veterano da FEB, Sr. Agostinho Gonçalves da Motta.

 

    As pesquisas sobre o tema “Participação Terena na Segunda Guerra Mundial – Vucápanavo” foram iniciadas e divulgadas

graças aos trabalhos pioneiros do jornalista Geraldo Duarte Ferreira e do pesquisador Mário MouraAo mesmo tempo, o Sargento historiador Wallas Freitas e o professor, mestre em Antropologia, Paulo Baltazar – da etnia Terena –, além de terem sido os primeiros a organizar o acervo do Museu Marechal José Machado Lopes, constataram que não havia registros oficiais da participação de índios brasileiros na Segunda Guerra Mundial.

    Os depoimentos do Cacique Izaltino, de seus conselheiros e das famílias dos febianos da etnia Terena que combateram no

Teatro de Operações da Itália foram registrados na pesquisa histórica e não deixam dúvidas quanto ao sacrifício e às lutas 

vencidas por esses homens e por suas famílias.

 

    Constatou-se, assim, o orgulho que os Terenas têm de seus antepassados, daqueles que lutaram contra o nazifascismo, em terras italianas, sem perder sua identidade cultural. Aqueles representantes do povo Terena puseram em prática sua conhecida

capacidade de adaptação e de sobrevivência em terreno inóspito e...  viram a "cobra fumar" na Itália!

 

 

 

 Fonte: Revista Verde-Oliva – Ano XLII • Nº 228 • JULHO 2015  - Autor: Coronel Claudio Rosty

 

 

 

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